Nas últimas décadas a História viu-se atraída por um “movimento” que vislumbra o retorno à “política”
permitindo-nos falar numa “história política renovada”. A expressão requer um
maior esclarecimento...
Ocorre que a relação entre história e política repousa em
raízes antigas, advindas da Grécia na Antiguidade Clássica. A etimologia
do termo remonta à “polis” onde nasceu a história-conhecimento pensada enquanto um phármakon (substância/remédio)
contra o esquecimento. No mundo Grego, política e religião estavam intimamente
ligadas e forneciam, para história, a matéria característica de seu gênero: uma
narrativa política, militar e religiosa.
Depois da Grécia, o mundo romano fez
do patriotismo imperial uma referência permanente na história que, em grande
medida, serviu de inspiração à identificação do guerreiro feudal no medievo e
ao culto à monarquia no mundo moderno, chegando por fim ao séc. XIX com toda
história política do nacionalismo.
Assim, a história política permaneceu
durante muitos séculos atrelada ao relato dos feitos temporais das grandes
figuras, personagens que aparentemente “comandam” a política, sendo eles, reis
e nobres, imperadores, presidentes, ministros, papas e generais. Logo, as
batalhas, os tratados, as constituições e as guerras eram palcos por excelência
onde a política era exercitada, visivelmente apresentada. Era a história dos "Grandes Nomes", "Grandes Feitos" e "Grandes Fatos"... Sobre esse tipo de
história que acompanhou o curso de séculos, recaiu fortes críticas que
apontavam, dentre outras coisas, para o fato de ser “cansativa”, enfadonha
e pouco produtiva quanto ao despertar de uma consciência crítica sobre os fatos
e personagens e relação com o tempo.
A partir daí, mais precisamente a partir
da década de 1980, os historiadores passaram a repensar essa clássica relação estabelecida
entre história e política, e, para além das críticas, promoveram uma
espécie de retorno ao político, agora, vislumbrando de novas perspectivas
teóricas e metodológicas, novas formas de abordar o fenômeno político em sua
aproximação com as esferas econômicas, sociais e culturais da experiência
humana no tempo.
A noção do fenômeno político se amplia e passa a incluir o
comportamento dos cidadãos diante da política, a evolução de suas atitudes ao
tomarem posição, direta ou indireta, para intervir nas áreas em que se decidem
seus destinos. Os atores políticos se “multiplicaram” na medida em que suas histórias são "(re)visitadas": não apenas os grandes
homens, mas desde então os personagens da rua, da massa de trabalhadores, do
homem do campo e da cidade, das mulheres, dos jovens, dos idosos, do cidadão e
sua tomada de decisão para minorar as incertezas do futuro, passam a ser
abordados pela história. Para tanto, a política passa a ser vista no sentido de uma
cultura, criada e transmitida de geração à geração em que importa crenças,
ideias, normas e tradições que, quando partilhadas, traduzem os múltiplos
significados que são lançados sobre a vida e atividade política de uma cidade,
uma região, ou uma nação em um determinado contexto.
Nesse movimento, passamos igualmente a
pensar sobre a História, notadamente sobre como a História, leia-se,
conhecimento histórico, durante muito tempo também fora usado para legitimar
determinadas ações política, silenciando muitas memórias que depunham sobre
posições contrárias e comportamentos diversos que traduzem a diversidade de
sentidos atribuídos à prática política.
Pensando nisso, este artigo abre uma
série de textos que ilustram esse “retorno ao político” fazendo-nos pensar
sobre a condição de "atores políticos" que historicamente recai sobre os sujeitos. Aqui, um convite se expressa
na forma de uma tomada de consciência: ao tentarmos conhecer o funcionamento da
política, dos comportamentos e práticas que movem os sujeitos ao longo do
tempo, somos levados a (re)conhecer nossa condição de “ser no tempo”, pela
força da expressão, “animais políticos”.
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