Agradecimentos
Findo o último ato deste enredo “medonho” lançado pelos
poderes constituídos sobre os educadores e avidamente encenados por
insensíveis gestões, resta-nos um ato de agradecimento... Sim agradecer pelo
aprendizado colhido nesta fatigante seara na qual se converteu nossas vidas no
decorrer destas semanas. Digo seara na tentativa de “suavizar” o verdadeiro “calvário”
emocional pelo qual tivemos que singrar, eu e mais alguns colegas professores...
Já passou, é passado e tudo passa, só não passa o bem semeado, colhido em
frutos... Felizmente...
Quero agradecer, sem medo de ser piegas ou de cair
no lugar comum, a Deus, porque Ele me capacitou e vem me capacitando com saúde,
inteligência, discernimento e dignidade, algumas virtudes que tento traduzir na
minha prática docente e que, per si,
já são suficientes para que eu assuma com Ele, meu pai onipotente, uma dívida
impagável... Além disso, generoso que é, Deus também me presenteou com oportunidades
de conseguir tudo que sou e tenho com o suor do meu trabalho, pelos meus
méritos e teimosos esforços. Graças a
uma educação rígida e amorosa, cujo lema
era e é fazer o certo e não precisar de nada que não me pertença de fato e de
direito, desde cedo percebi que sou possuidora de bens cujo valor mostra-se
incalculável: a tranquilidade e a paz de espírito.
Devo, neste segundo instante, isenta de qualquer
favoritismo político ou de possível
ordenação ideológico-partidária,
agradecer ao gestor do Município de Gado Bravo, no ano de 2003, o Sr. Fernando
Morais, por ter ele oportunizado meu ingresso naquele município, através de
certame, para o cargo de professora do tão querido Ensino Médio na
EMEFM Pe. Godofredo Joosten. Agradeço muito a sensibilidade e o compromisso
daquele homem “público”, no sentido absoluto da palavra, porque através de sua
disposição consciente, juntamente com sua equipe, possibilitou a realização
daquele concurso tão disputado na época, abrindo vagas para a educação básica
em nível fundamental e médio. Naquele tempo, ser professor de Gado Bravo era
sinal de status e garantia de reconhecimento profissional o que me encheu de
orgulho e responsabilidade, pois ingressara no meu primeiro emprego.
Dono de uma
imensa simplicidade, desprovido e “desarmado”, aquele gestor protagonizou
grandes lições de democracia, de respeito e de completo interesse pela educação,
nunca hesitando em dialogar com os professores olho no olho, frente a frente,
sem intermediários ou esquivas acovardadas. Parece que ali se orquestrava a continuação de
um pacto entre aliados: “gestão executiva e corpo docente”, já iniciado na
administração local durante o governo do seu antecessor, o
aroeirense-gadobravense Salomão Lucena.
Ao lado daqueles simples homem do campo, de sorriso fácil e firmeza de caráter,
nós, os professores não nos sentíamos adversários, sentíamo-nos acolhidos,
cuidados e como isso era bom.
Permitam-me um parêntese para lembrar que, mesmo em
condições alarmantes no que toca à infraestrutura, mesmo lecionando em salas
inapropriadas e pontuadas pelas ruas da cidade, com uma equipe ínfima, sem
muito planejamento, exigências ou quebra-cabeças, nossos resultados em termos
de qualidade e motivação para o trabalho faziam toda a diferença... Era
emocionante, para mim, nos meus arroubos de jovem professora, há dez anos,
verificar o entusiasmo dos alunos, a vontade de trabalhar contagiante numa
equipe muito valorizada e confiante no papel que exerciam, basta ver a
quantidade de jovens de Gado Bravo hoje cursando as melhores universidades da
redondeza (Não citarei nomes, para não parecer injusta).
Muito obrigada a você, Sr. Fernando Morais que
cumpria com suas obrigações e ainda
assumia o Ensino Médio (de responsabilidade do Estado),
da rede municipal, além de viabilizar a matrícula e permanência de estudantes
de outras localidades que viam naquela escola, fisicamente tão precária, um
portal para um futuro promissor. De certa forma, quando assumia para si um
nível de escolaridade que não lhe competia, no nível do direito e do amparo
legal, recebia o ônus de despesas não reembolsadas pelo Governo Federal, mas
compartilhava o bônus de atender aos anseios de uma comunidade que apostara na
sua sincera liderança. Em sua conduta política, o que transparecia era a
máxima: “ quando uma lei é injusta, o
mais sábio e desobedecê-la.” Assim, a contribuição e a coragem de gestor público,
muitas vezes esquecida ou até desmerecida pelos órgãos fiscalizadores,
resplandeceu e afetou à formação de cada aluno, hoje profissional, além de
calar fundo, como uma lembrança boa na memória de professores que, como eu,
tiveram a felicidade de conhecer e viver uma política educacional pública,
incontestavelmente, exitosa.
Depois, é muito importante agradecer aos meus
eternos alunos de Gado Bravo, meus grandes amigos... Vocês nem desconfiavam que
naquela relação de sala de aula, quem mais aprendia era eu... Aprendia a lição
da alegria, da esperança, da sinceridade, do apoio... Em cada um com quem, às
vezes, encontro já na Universidade, ou em outros rumos não menos valorosos, vejo
seres humanos exemplares, homens e mulheres de bem, “bravos” guerreiros, porque
até hoje me desafia pensar na lógica do ensino-aprendizagem que ali vivenciei.
Não sei como vocês aprendiam em meio a tantas dificuldades, não sei que
“mágica” era aquela... Desde sempre, amo vocês, e nunca conseguirei deixar de
ser professora, mesmo sendo esmagada por leis injustas e desestimuladoras à
docência. Minha sincera gratidão a todos os meus alunos dos anos de 2003,
quando ingressei nas turmas de primeiro ano, e nos anos seguintes
2004,2005,2006,2007,2008... Quando já exigiam minha presença nas salas de
aula do terceiro ano, preparatório do
temido vestibular e aos meus colaboradores na limpeza e reestruturação do
Ensino Médio, já em 2009, quando aceitei o desafio de coordenar as ações
naquele prédio, sem portas e nem janelas... Agradeço aos parceiros que comigo
lavavam, organizavam, pintavam e cuidavam do espaço, mesmo nos finais de
semana. Cansaço e desânimo eram vocábulos inexistentes em nosso vocabulário e
conjugar o verbo desistir era proibido. O que tive a felicidade de experimentar foi o
apoio irrestrito de alunos dispostos a melhorarem seu ambiente, alunos que
passavam as últimas aulas etiquetando carteiras, junto aos professores, para
realização dos proveitosos simulados bimestrais... Não imaginam o orgulho que
eu tinha quando viam meus 400 “anjinhos” compenetrados resolvendo questões,
entendo o poder daquele momento como ferramenta preparatória de emancipação,
esperando resultados, conferindo gabaritos! Ali pude realizar grandes sonhos e
ter a firme convicção do quanto a educação é poderosa, o quanto ela é
indispensável, mesmo que dispendiosa de recursos, tempo e perseverança. Muito
obrigada!
Faz-se necessário ainda agradecer aos colegas de
tantas jornadas compartilhadas lá em Gado Bravo... Nossas viagens e pequenos
perigos quando, com o coração gelado, subíamos a ladeira da Boa Vista ou
temíamos as “cheias” na ponte Itália, foram sempre pitorescas. A sopa deliciosa de Dona Estela, a eficiência
silenciosa de Maria, o labor prestativo de Clemilton, Sr. Valentin e Mazinho, a
competência de Gorete, o companheirismo de Joaldo... Atitudes inesquecíveis
para mim. Agradecer a todos os
professores e auxiliares, mais em especial aos meus grandes colegas do Ensino
Médio, os “excluídos” dos “excluídos”, sempre firmes e fortes: Márcia, Lúcio,
Luciana, Paty, Tio Armando, Socorro Alves, Marcílio, Vicente, Adelino e a
grande Socorro Messias, ícone de coragem e autenticidade.
É justo também citar a lição da solidariedade
expressa na conduta do então Secretário de Administração Municipal: Sr. Antônio
de Pádua Benício, amigo de ontem, de hoje e de sempre... Uma gota de
boa-vontade deslocada num oceano de resistência. Também lembrar a doçura de
Socorro Barbosa, antiga diretora do Ensino Médio, de Da Paz com sua alegria, de
Maninho como seu desejo de mudança, da inesquecível Secretária de Educação
Josilane Monteiro(Branca) com sua diplomacia, educação e fino trato, professora
como nós...
Mas quando a estrada se bifurca e precisamos
singrar veredas inesperadas, também é bom agradecer o aprendizado tingido pela
cor do sofrimento, as lições nascentes em noites de vigília e desassossego,
quando a frustração ameaça dominar toda nossa força e senta ao nosso lado
exigindo nossa completa atenção. Nessas horas, as palavras de amigos como Elk,
Marina, Tiago e Janilton... , com quem
dividi desabafos e estupefação, mediante nossa inconformada impotência, serviam
de alívio temporário e pecha de esperança.
Por fim, em breves palavras, também preciso mencionar
alguns aprendizados amargamente digeridos. Para estes, porém, dediquei apenas o
mínimo de espaço desse texto, posto que comungue da ideia de que o mal, não é
merecedor de tantos comentários.
A primeira e
incontestável lição: que a infraestrutura ou a quantidade de profissionais não
se constituem em fatores decisivos para garantir o sucesso do
ensino-aprendizagem. Basta percebemos que, apesar de inegáveis avanços nesses
itens, os índices alcançados nas avaliações nacionais, o catastrófico e
midiático desempenho no ENEM, além de resultados inexpressivos em vestibulares
e concursos ratificam que algo em nossa escola se perdeu, que algo anda errado com a educação em Gado Bravo,
que algo se fragmentou...
A segunda e
decepcionante lição: que a dignidade de um profissional não deve ser
comercializada a custa de parcos tostões, que a luta de nossa classe não era
internalizada por todos os interessados, que num mundo de rótulos e
superficialidades onde tudo se converte em cifras mirabolantes, é fácil se
dizer “educador”... Muito difícil, no entanto, é esconder uma conduta mesquinha
e sádicas alegrias cozidas no fracasso de tudo ter e nada ser.
Terceira e
sábia lição: aprendi que não é a condição do homem que lhe garante
humildade, mas sim seu caráter, sua índole, sua verdade interior, não importa
se rico, pobre, doutor ou agricultor... O necessário e o que permanecerá como
marca indelével de sua pessoa será a obra por ele erguida, sobretudo quando seu
agir não se paute na prática da justiça por meios perversos. ( Salústio )
Quarta e
brilhante lição: aprendi que “a justiça pode caminhar sozinha, a injustiça
necessita sempre de muletas, de argumentos” principalmente quando existem leis
que as legitimam e são bem propícias para esconderem lobos travestidos de
patéticos cordeiros...
Quinta e verdadeira
lição: aprendi por fim, com sincera saudade, mas com o coração repleto de
muita confiança que a “janela” hora fechada a mim e a todos os colegas terá o
dom de nos impulsionar à perseverança, a encontrarmos outras portas, certamente
mais amplas, oxalá mais humanas... Ele, esse novo caminho, já se descortina a
nossa frente... Seguiremos, pois, com a serenidade de quem, como Sócrates,
acredita ser mais feliz quem sofre uma injustiça do quem a comete...
Muito obrigada a todos e a todas.
FONTE: arquipelagopgg.blogspot.com
Doutoranda - Patrícia Gomes Germano.
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