terça-feira, 3 de maio de 2016

História e histórias da política: pretextos de um debate.

Nas últimas décadas a História viu-se atraída por um “movimento” que vislumbra o retorno à “política” permitindo-nos falar numa “história política renovada”. A expressão requer um maior esclarecimento... 
Ocorre que a relação entre história e política repousa em raízes antigas, advindas da Grécia na Antiguidade Clássica. A etimologia do termo remonta à “polis” onde nasceu a história-conhecimento pensada enquanto um phármakon (substância/remédio) contra o esquecimento. No mundo Grego, política e religião estavam intimamente ligadas e forneciam, para história, a matéria característica de seu gênero: uma narrativa política, militar e religiosa. 
Depois da Grécia, o mundo romano fez do patriotismo imperial uma referência permanente na história que, em grande medida, serviu de inspiração à identificação do guerreiro feudal no medievo e ao culto à monarquia no mundo moderno, chegando por fim ao séc. XIX com toda história política do nacionalismo. 
Assim, a história política permaneceu durante muitos séculos atrelada ao relato dos feitos temporais das grandes figuras, personagens que aparentemente “comandam” a política, sendo eles, reis e nobres, imperadores, presidentes, ministros, papas e generais. Logo, as batalhas, os tratados, as constituições e as guerras eram palcos por excelência onde a política era exercitada, visivelmente apresentada. Era a história dos "Grandes Nomes", "Grandes Feitos" e "Grandes Fatos"... Sobre esse tipo de história que acompanhou o curso de séculos, recaiu fortes críticas que apontavam, dentre outras coisas, para o fato de ser “cansativa”, enfadonha e pouco produtiva quanto ao despertar de uma consciência crítica sobre os fatos e personagens e relação com o tempo. 
A partir daí, mais precisamente a partir da década de 1980, os historiadores passaram a repensar essa clássica relação estabelecida entre história e política, e, para além das críticas, promoveram uma espécie de retorno ao político, agora, vislumbrando de novas perspectivas teóricas e metodológicas, novas formas de abordar o fenômeno político em sua aproximação com as esferas econômicas, sociais e culturais da experiência humana no tempo. 
A noção do fenômeno político se amplia e passa a incluir o comportamento dos cidadãos diante da política, a evolução de suas atitudes ao tomarem posição, direta ou indireta, para intervir nas áreas em que se decidem seus destinos. Os atores políticos se “multiplicaram” na medida em que suas histórias são "(re)visitadas": não apenas os grandes homens, mas desde então os personagens da rua, da massa de trabalhadores, do homem do campo e da cidade, das mulheres, dos jovens, dos idosos, do cidadão e sua tomada de decisão para minorar as incertezas do futuro, passam a ser abordados pela história. Para tanto, a política passa a ser vista no sentido de uma cultura, criada e transmitida de geração à geração em que importa crenças, ideias, normas e tradições que, quando partilhadas, traduzem os múltiplos significados que são lançados sobre a vida e atividade política de uma cidade, uma região, ou uma nação em um determinado contexto. 
Nesse movimento, passamos igualmente a pensar sobre a História, notadamente sobre como a História, leia-se, conhecimento histórico, durante muito tempo também fora usado para legitimar determinadas ações política, silenciando muitas memórias que depunham sobre posições contrárias e comportamentos diversos que traduzem a diversidade de sentidos atribuídos à prática política. 

Pensando nisso, este artigo abre uma série de textos que ilustram esse “retorno ao político” fazendo-nos pensar sobre a condição de "atores políticos" que historicamente recai sobre os sujeitos. Aqui, um convite se expressa na forma de uma tomada de consciência: ao tentarmos conhecer o funcionamento da política, dos comportamentos e práticas que movem os sujeitos ao longo do tempo, somos levados a (re)conhecer nossa condição de “ser no tempo”, pela força da expressão, “animais políticos”.
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