domingo, 15 de maio de 2016

"Para os amigos pão, para os inimigos pau!”... Notas sobre o comportamento político local.

Os historiadores da chamada Primeira República no Brasil (re)conhecem a frase “para os amigos pão, para os inimigos pau” como sendo uma síntese do comportamento político que caracterizou a história política do período que vai de 1889 a 1930. A frase, figurada como um verdadeiro adágio, traduzia como funcionava os bastidores de uma política interessada, marcadamente compromissada e que cujas características máximas eram: o mandonismo e o clientelismo.
Neste caso, a frase era usada sempre que um grupo político (oligarquia) subia ao poder comandando a estrutura política que ia da esfera local à regional e, em alguns casos, chegando a esfera Nacional. A historiografia brasileira que trata da política nesse período ilustra os estados do “Norte” – atual Nordeste – como exemplos clássicos de regiões que implementaram esse tipo de política, embora, é bem verdade, o fenômeno não estivesse circunscrito a esta região do . Aliás,país a prática política em tela esteve na base da famosa “política dos governadores” que ditou as regras do jogo político entre as esferas locais, regionais e nacional no Brasil do período.
Contudo, no tocante a configuração das relações de poder, sabe-se que tais grupos impediam o acesso direto da população aos bens e serviços públicos, exercendo sobre elas relações de mando muitas vezes balizados pela força e violência. De forma correlata, o comportamento político dos governantes pautava-se na implementação de uma prática de “alijamento de oportunidades políticas”, em que cuja base apresentava-se uma acirrada relação entre correligionários e opositores. A ilustração é válida: em alguns casos, onde a disputa política era polarizada, o embate era tamanho – perdurável durante longos períodos em que um grupo estivesse à frente do poder – que se opunham de um lado, os “amigos” correligionários de “A”, contra os “inimigos” apoiadores de “B”.
Nesse tempo, haviam momentos oportunos em que essa oposição vinha à baila, sendo eles, nas eleições e durante o período de concessão e inauguração de obras públicas. No primeiro caso, de forma mais contundente, o embate maior era entre as alianças parentais (parentelas) que disputavam o pleito. No segundo caso, havia uma estratégia em apenas conceder lugar na distribuição do “bolo administrativo” – representado na concessão e construções de obras públicas e serviços à nível local – àqueles que defendessem os interesses de determinado grupo político detentor do poder. Neste último caso, os amigos e correligionários logravam o êxito de “benfeitores locais” justamente por figurar no palanque legítimo daqueles que governavam.
Eram o "paternalismo" (filhotismo) e a “patronagem” política que ganhavam forma, tomadas como estratégias para o fortalecimento do poder político dos grupos dominantes, e que consistia em dar apoio moral ou financeiro irrestrito àqueles que defendiam seu nome na esfera política local. Nesse jogo, a máxima era negar "água e pão aos adversários", elementos essenciais a sua sobrevivência política. Para isso, era preciso verdadeiramente “alijar”, descartar a presença dos opositores em todas as formas de ação política desenvolvida pelo grupo dominante na esfera de poder. Uma forma eficaz de mostrar publicamente os que estavam “dentro” e os figuravam “fora” da estrutura de poder montada em determinada ocasião.
Pode estranhar o leitor, mas cabe dizer que esse “sistema” de governo teve “validade” em um tempo passado da nossa história política. Embora, importa igualmente lembrar que o comportamento político pautado no mandonismo e no clientelismo perpassa o tempo, chegando de forma “viva” em nossos dias, é bem verdade que transvestido de certo “republicanismo alaranjado”. Basta ver a forma como se convoca o “povo” para participar de eventos e ações políticas em nossa região, como é o caso das inaugurações de obras públicas.
Vejam: ainda é assim que se forma, de um lado, o palanque dos “amigos e correligionários”, aptos a receber a “boa obra”, enquanto que, do outro lado, não há espaço para os “opositores”, os inimigos que não apoiam a situação política vigente. Estes ficam excluídos – alijados – por um revanchismo político que, dentre outras coisas, dá a obra um caráter "eleitoreiro", fazendo com que esta receba uma “certidão de nascimento” chancelada pelos “amigos e apoiadores” do grupo político dominante. Leia-se, um verdadeiro apoio “moral”, propício em momentos que se vislumbra a aproximação do pleito local, onde se “pretende” atender todos os anseios, toda “sede” da população. Há lógica nesse jogo? É justificável? Certamente, para muitos...
Contudo, "por tudo e por todos”, me parece  que, mais do que nunca, nesse tipo de comportamento paira o adágio: “para os amigos pão, para os inimigos pau”! Eis uma prática nada desinteressada, afeita ao jogo de encenações política. Uma forma de ainda mostrar publicamente os que estão “dentro” e os que estão “fora” do jogo político local e regional. Em nossa história local, contanto, o adágio pode ser visto de forma inversa? Fica a leitura para o desenrolar dos próximos dias...


* Créditos da Imagem: Capa da Revista Fon Fon de 09 de Maio de 1908. Ilustração - O personagem "Zé Povo", preso às correntes das Oligarquias regionais, grita: Viva a Liberdade!.
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